Campus de Goiabeiras, Vitória - ES

Lógica Jurídica: parâmetros para a aplicação de uma ontologia formal do direito

Resumo: A Lógica Jurídica será abordada sob um enfoque estrutural-filosófico. Enquanto metalinguagem, projetando-se sobre o Direito Positivo, as formas proposicionais são imprescindíveis à compreensão e ao manuseamento, pelo jurista, do seu objeto de trabalho. O jogo de linguagem sintático sempre foi pressuposto no processo comunicacional jurídico, ao qual, porém, pouca importância foi conferida pelos operadores do Direito, cognoscentes ou não. Os enunciados, sendo eles dotados de sentido, pressupõem uma estrutura, quer sejam descritivos, quer sejam prescritivos. Por meio de símbolos lógicos, colocam-se entre parênteses problemas empíricos e logra-se alcançar um discurso rigoroso, sem ambiguidade. Discurso no qual a delimitação do quê falar e do como articular proposições já está estabelecida tautologicamente. De tal maneira que permanecer nos limites da linguagem normativa é um desafio lógico, de respeito à ontologia formal do Direito. Por isso, aliados ao simbolismo e às obras já clássicas de Lógica Deôntica, buscar-se-á compreender os raciocínios normativos, predicativos (relacionais), argumentativos e filosóficos. Depois, com a sistematização obtida, projetar-se-ão as premissas sobre algumas das recentes decisões em matéria tributária do Supremo Tribunal Federal, nas quais os erros e acertos lógicos fazem-se presentes.

À lógica chega-se formalizando linguagens. Através de sucessivos processos de generalização e, por fim, de formalização, logra-se construir a fórmula proposicional por meio da qual se tem um ponto de vista sobre o conhecimento; em verdade, é no plano proposicional, não na apreensão intuitiva, que o conhecimento atinge a sua plenitude.

Formada a estrutura simbólica, a lógica vê-se apta a projetar-se sobre a estrutura social. Possibilitam-se as inferências; controla-se o raciocínio; produz-se, formalmente, a verdade. A despeito de ser construída a partir da experiência, transcende-a: situa-se na região ôntica dos objetos ideais.

É por meio da substituição das variáveis e constantes (categoremas e sincategoremas, respectivamente) da função por dados ou constantes fáticas que se aplica a lógica. Revela-se essencial para quaisquer empresas científicas ou linguísticas, especialmente quando se tem em vista que “[...] comprometimos nuestro concepto de conocimiento como conocimiento de la verdad de proposiciones. La verdad, pues, ha de ser en este sentido una característica de las proposiciones [...]”.

Dada a excessiva importância que o Círculo de Viena atribuia à função descritiva, o “primeiro” Wittgenstein negou a existência de outras proposições que não as declarativas: “6.42 Por isso não pode haver proposições da Ética. As proposições não podem exprimir nada do que é mais elevado”. Tal conjectura, em última análise, impossibilitaria uma lógica normativa. O quadro filosófico, no entanto, alterou-se com a publicação do livro An Essay in Modal Logic, de Georg Henrik von Wrigt, em 1951. Eis o marco a partir do qual se desenvolveu o que se chama de Lógica Deôntica.

Portanto, não é só na ciência que se projeta a lógica. A ela, ciência, convém a apofântica. Além dela, há a lógica do objeto, enquanto sujeito de um juízo jurídico , à cuja contemplação lança-se o cientista. É o direito, como conjunto de normas jurídicas válidas espacial e temporalmente, que reclama uma estrutura de raciocínio própria. Ali, bivalência clássica: verdadeiro ou falso; aqui, valência prescritiva: válido ou inválido (Tertium non datur).

De maneira que a lógica deôntica, sem deixar de ser formal – e não prescritva -, acolhe o normativo, gênero no qual está o objeto jurídico. Daí falar-se em Lógica Jurídica, apta a acolher o status ontológico do direito: o enlace imputacional (se A, B deve-ser). Vê-se, é hipotético-condicional (homogeneidade sintática). Razão por que já se fixa uma premissa: a inexistência de normas categóricas . Não é à toa que “la distinción entre normas hipotéticas y normas categóricas es puramente gramatical”.

Noutro giro, a celeuma filosófica quanto à essência das coisas levou Kant a romper com a filosofia do ser e erigir a filosofia da consciência. Volta-se ao sujeito a atenção. Ele constrói o objeto (fenômeno) por meio de suas condições da experiência (idealismo transcedental). Aqui, eis a Lógica Jurídica, para dizer com Miguel Reale, como um dos elementos da ontognoseologia: “teoria transcendental do conhecimento”. Assevera Hans Kelsen:
"Esta conciencia trascendental no es un fenómeno psíquico, sino una construcción teórica, a saber, la posibilidad de referir todos los datos a un principio unificador que los determina: es el principio que crea la identidad de la conciencia a través de todos sus contenidos empíricos. El principio supremo de la unidad sintética de la apercepción trascendental es el yo pienso, entendido, no empíricamente, sino como la unidad ideal de la conciencia, que acompaña al conocimiento científico, universal y necesariamente".

Aliado a tal viés filosófico, convém, já no domínio da Lógica Jurídica, pontuar que diversas tautologias aplicam-se no direito. E são nelas que reside o que aqui se denomina ontologia formal. Nada prescrevem senão determinam o iter do raciocínio. É o aspecto prático da lógica, muito mais presente em nosso cotidiano do que se pode supor, sobretudo porque “essas formas ideais só existem onde houver manifestação de linguagem, por insignificante que seja”.

Longe de asfatá-lo da realidade empírica, o simbolizar da lógica é reflexo de seu aperfeiçoamento: “el lenguaje formal se introduce para abstraer cierta relación o cierto aspecto de un fenómeno complejo con independencia de su contexto contigente; y una vez hecho esto aparecen las fórmulas para establecer los vínculos hallados entre aquellas abstracciones”.

A importância prática do estudo da Lógica Jurídica está no controle do discurso normativo. Nada há de puramente teórico nisso, sem aplicabilidade, mormente se tendo em mente que “o jurista, que é mais homem de ciência que de experiência, jamais reduz-se a um puro teórico. [...] É o ponto de interseção da teoria e da prática [...]”. O silogismo, a argumentação, a relação jurídica, o suposto normativo pressupõem uma estrutura proposicional. E é a Lógica Jurídica, sendo ela linguagem de sobrenível , que nos oferece isso; não, porém, os conceitos jurídicos fundamentais , afetos à Teoria Geral do Direito (allgemeine Rechtslehre).

Por óbvio, a Lógica Jurídica não esgota a riqueza dos raciocínios e estruturas jurídicas. Visa ao eidético: as condições necessárias para evitar o sem-sentido e o contra-sentido. Prescrever o impossível, interpretar o não-posto, relacionar o irrelacionável ontologicamente são vícios da linguagem do operador do direito. A saturação de variáveis lógicas sempre será papel do órgão jurídico, participante do suporte fático-nomogenético. A admitir-se a auto-suficiência da lógica, criar-se-ia logicismo, idealização da lógica: “Quer-se, idealizando, que tudo isso [o contexto familiar, grupal, de ideais e ideologias] fique em suspenso, como entre parênteses, e que o juízo que dirime a controvérsia seja totalmente isento de subjetivismo, de distorção”. Negar a lógica, por outro lado, é ignorar o seu papel de limitar (e de possibilitar) a atuação de todos os operadores do direito; v.g.:

"[...] el legislador es libre en la peculiar actividad que consiste en coordinar consecuencias de derecho a supuestos jurídicos [...]; pero como dicha actividad implica una coordinación [relação entre proposição implicante e a implicada], resulta indiscutible que se encuentra sujeto a las reglas de toda coordinación y, por ende, a las da lógica formal".

Por derradeiro, como assevera Geraldo Ataliba na introdução ao já clássico “Estruturas Lógicas e Sistema de Direito Positivo”:

"A Lógica Jurídica importa ao jurista, quer na sua atividade profissional prática, quer na sua atividade docente ou de pesquisa – momentos que, fecundamente, se entrelaçam. Também ao prático interessa. Não que a Lógica Jurídica venha a ser uma coletânea de regras para bem manipular o Direito Positivo, adestrando o jurista profissional no caminho do melhor êxito. Interessa-lhe porque o ajuda a atuar, realizando o Direito e colaborando para seu melhor nível científico.
Por outro lado, o manuseio dos problemas lógicos não deixa de ofertar ao profissional a técnica do raciocínio correto, a técnica da exposição racional na realização do Direito. O jurista é, par excellence, um homem do “discurso”, onde o racional tem sua expressão. Seu mister é colaborar na realização do Direito, sempre argumentando, fundamentando, demonstrando, definindo, classificando, indo-e-vindo das normas aos fatos.
Por isso, faz Lógica, quer o pretenda, quer não".

O desenvolvimento do tema proposto será realizado através de um estudo teórico da Lógica Jurídica, com especial enfoque nas obras de G. H. von Wright, C. Alchourrón, E. Bulygin, Aristóteles, E. Husserl, Lourival Vilanova, Hans Kelsen, Alf Ross, Rubert Screiber, Fritz Schreier, Eduardo García Máynez, Paulo de Barros Carvalho, R. Guibourg, Daniel Mendonca, G. Kalinowski e Carlos Cóssio.
Para compreender a estrutura dos raciocínios, dar-se-á importância à simbolização dos raciocínios com o fito de conferir maior precisão às análises.
A fim de se aplicar o entendimento construído, todo arcabouço teórico será utilizado na análise de algumas decisões em matéria tributária do Supremo Tribunal Federal, distribuídas no período compreendido entre 2006 e 2009.

Data de início: 31/07/2010
Prazo (meses): 12

Participantes:

Papelordem decrescente Nome
Aluno Mestrado SERGIO MONTEIRO CUPERTINO DE CASTRO
Coordenador TÁREK MOYSES MOUSSALLEM
Transparência Pública
Acesso à informação

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